Aquarela "Monte de nove torres", de Xul Solar

Revolver-se, re-voltar-se

Uma frase ecoa, de súbito, vindo de algum lugar da memória. Li ela em algum lugar. Lembro do livro, lembro do texto. Vou de encontro ao volume, é daqueles pesadinhos que não se lê na rede. Daqueles livros que nos pedem a atenção de sentar-se em uma cadeira e apoiá-lo no colo com uma almofada ou em uma mesa, em uma postura de proximidade com algo que não é leve. Lá está ele, na estante, esperando ser chamado, esperando ser aberto, esperando ser encontrado. Mais uma vez.

Abro o livro. Na primeira dupla de páginas aladas deparo-me com ela. Escrita em itálico, a frase se desprende da folha e vem de encontro, parece querer tocar o rosto daquele que a vê. Frase de um texto conhecido, e que de minha parte, posso dizer marcante. “Intervenção sobre a transferência”, de Jacques Lacan.

A psicanálise é uma experiência dialética.

A frase é simples, direta, com sujeito, verbo e predicado. Parece que ressoa como um mantra. A psicanálise é uma experiência dialética. A psicanálise é uma experiência dialética? Como? De que jeito? Que dialética é essa?

É um movimento: intenso e afetado. É um pathos. É uma revolução, uma reviravolta. Um dar a volta em si mesmo e então encontrar. Encontrar o que? A si mesmo. Como um Outro. É um revolver-se não sem se re-voltar. Afinal, mudar não é fácil.  Mudar para quê? Quem quer mudar? Só quem precisa e sofre. E quem quer muito. Custe o que custar. Quando já não dá mais. Quando já não se aguenta. Mudar o que? De postura, de posição. É demandar menos e desejar mais. É ser mais amante da vida e do mundo. É se colocar como sujeito: falando, pondo em palavras, o que der e o que vier e para o que der e o que vier.

É dialética sem síntese. É imobilidade na tamanha tensão dos opostos, dos lugares, das posições. É uma chave que a gente vira na fechadura: ora abre, ora fecha a porta. É como a água do copo que a gente bebe: ora meio cheio, ora meio vazio.

É mobilidade. Saber que se pode estar lá e aqui, ao mesmo tempo. É ponderar, contrabalancear os pesos e as medidas. Medida que se descobre sendo apenas uma: a do desejo.