Quando as máscaras caem

Como doença, como morte. Como contágio, como vírus. O real se impõe nessa realidade pretensamente organizada pelas rotinas, pelo viver às penas transformado em trabalho. “Eu vim parar a máquina cujo freio de emergência vocês não estavam encontrando”, anuncia “Monólogo do vírus”, texto anônimo que circula nas redes, uma carta da peste endereçada aos humanos. Como real, covid-19 veio parar a máquina dos sentidos anestesiantes que impedem despertares. Veio fazer ruir máscaras que disfarçam os incômodos, o mal-estar. Veio quebrar ilusões de vida integrada, ordenada.

Quando máscaras caem o real se impõe. O mundo para. Neste instante lembro-me de uma fotografia. “Mulher sem cabeça”, de Diane Arbus. Nela está ausente o membro dito superior no corpo humano, representativo da racionalidade que suprime o sem sentido. O corpo está imóvel. Braços apoiados, mãos em repouso, pernas acomodadas, pés juntos. A caixa que sustenta a cadeira flutua, suspensa do chão. Sugerem parada, interrupção, tempo em suspenso. A mulher está prestes a se erguer. Quais serão seus próximos movimentos?

“Mulher sem cabeça”, de Diane Arbus.

Pausa, suspensão, interrupção marcam o encontro com o real. Diante dele é preciso parar. É chance de acessá-lo e fazer algo com ele. Criar laços, discursos, formas de vida que possam ser sustentadas — realmente.

A imagem toca em mais um ponto, aquele que alimenta os mascaramentos do real. Panos cobrem a cadeira, cortina de veludo se estende ao fundo. Corpo envolto em tecido. E se for uma ilusão? Se tirar os véus a realidade vai voltar ao que era, sem esse real para perturbar? A cabeça vai ressurgir e organizar tudo? Quem dera fosse assim. Que os números de mortos diminuíssem. Que fosse uma “gripezinha.” Que tivesse data certa de retorno para vida “normal.” Como se vidas não corressem perigo.

Nada será como antes, ao que parece.