Para que serve a psicanálise?

Em um momento em que se menospreza a importância das ciências humanas, considero válido apresentar pelos menos algumas respostas para a pergunta que poderia também ser feita neste cenário desesperador para as humanidades: para que serve a psicanálise?          

 Esta interrogação inicialmente aponta para duas direções. Em um primeiro lugar, ela pode indicar uma via prática. Afinal, como um tratamento terapêutico, a psicanálise serve para tratar que tipo de sofrimentos, que tipos de patologias? No que ela oferece ajuda? A segunda vertente pode ser mais abrangente, mas também não deixa de indagar sobre a utilidade da psicanálise: ela contribui para a cultura? Qual a sua proposta ética? Esses dois rumos da mesma pergunta são extensamente abordados pela psicanalista Denise Maurano em Para que serve a psicanálise?, publicado pela editora Jorge Zahar em 2010. Apresento neste texto algumas ideias recolhidas na leitura deste livro.

Sofrimento nas relações afetivas

Desde o ensaio O mal-estar na cultura, Sigmund Freud alertava que o que nos causa os maiores sofrimentos são as nossas relações afetivas. Essas ligações podem nos propiciar grandes prazeres, mas também enormes tristezas. Afinal, somos seres de relações. Mesmo com a fluidez dos contatos virtuais na contemporaneidade, que ficam ao alcance de telas “touch screen”, o que nos move são os laços podemos estabelecer com outros.

 As inquietações como falta de amor e insatisfação sexual propiciaram a invenção da psicanálise. Através delas mais uma descoberta freudiana
foi realizada, além do inconsciente: um método terapêutico pela fala e escuta. Este procedimento também faz parte do modo como relacionamos e nos conectamos uns aos outros, justamente por sermos seres de linguagem.

Vazio, desamparo, falta de algo

 Os incômodos das nossas relações afetivas também são sentidas como vazio, desamparo, falta de algo ou de alguém. Geralmente, quando eles nos acometem, achamos que é preciso se livrar deles o mais rápido possível, custe o que custar. Daí surge a facilidade para cair em ilusões que prometem suprimir tais incômodos.

Diante das insatisfações, do desamparo e do mal de amor, a psicanálise prossegue como uma alternativa para tratá-los. Porém passa longe da promessa de extirpar o vazio e o mal-estar, pois eles fazem parte da nossa natureza e não há como curar o fato de sermos humanos.

Proposta ética da psicanálise: sentir dimensão real da vida

 Parte da proposta ética da psicanálise perceber a vida não de modo ideal ou como esperamos que ela fosse, mas sim em uma dimensão real. Esta condição aparece justamente quando nos damos conta que as coisas não são como pensamos, que não são tão fáceis como gostaríamos, que não estão ao alcance das nossas mãos. O que certamente não é algo simples de lidar, mas buscar negar essa dimensão e mesmo procurar promessas que nos oferecem fugir desse mal apenas nos tornará mais frágeis diante dele.

Então, o que a psicanálise pode oferecer já que não é possível curar esse mal-estar? Há a possibilidade de mudar a forma como nos relacionamos com a falta, com aquilo que supomos que poderia nos tornar completos. Ou seja, é possível mudar a nossa posição diante do vazio, o que proporciona uma transformação de si mesmo e possibilita encontrar novas alegrias e satisfações.