Crônicas do Consultório – Quarto de fala

Costumo conversar com os lugares. A cada vez que chego no consultório para trabalhar, cumprimento em voz alta ou em pensamento o espaço onde vou ficar por mais de um par de horas. E do mesmo jeito, quando saio agradeço pelo dia, me despeço e digo que vou voltar. Mas de uma forma bem especial.

 Há dois anos, estudo o idioma alemão. Sei que é difícil pacas, mas o meu amor pela psicanálise e pela literatura é maior que todas as dificuldades. Sim, o objetivo de aprender uma das línguas mais difíceis do mundo é justamente para ler Sigmund Freud e Walter Benjamin na língua materna deles. E até chegar esse momento vai demorar um bocado (quem sabe mais uns 3 anos?), porém em algum momento era preciso começar, não é mesmo? E não apenas começar, mas sim conseguir dar continuidade a algo que só aos poucos vai fazendo sentido, como internalizar a lógica de um idioma.

E o modo que encontrei para tornar essa língua tão cara mais presente em mim é cumprimentar meu espaço de trabalho em alemão. Quando chego no consultório saúdo-o Hallo, Sprechzimmer! Wie geht es dir? [Oi, Consultório! Como você está?] E imagino sua resposta Es geht mir gut, danke! Und dir, Djulia? [Comigo tudo bem, obrigado! E você, Djulia?] Após um dia de trabalho, me despeço com Bis Morgen, Sprechzimmer! [Até amanhã, Consultório!] Se saio por alguns instantes, seja para fazer um lanche ou levar o lixo até a lixeira do prédio, digo Bis bald, Sprechzimmer! [Até logo, Consultório!].

 O que chama mais a minha atenção, mais do que essa brincadeira de conversar com os lugares, é a palavra “consultório” em alemão. Sprechzimmer. Se fôssemos fazer uma tradução literal a partir dos termos que compõem a palavra (lembremos que essa língua forma vocábulos a partir da aglutinação e da construção) chegaríamos ao quarto (Zimmer) de fala (Sprech).

O quarto é um lugar especial na vida de um ser humano. Passamos um terço de nossas vidas nele. Entre quatro paredes se dorme, se sonha, se faz amor. Além disso, ele inscreve marcas na subjetividade, pois consiste em ser um espaço onde as fantasias podem criar formas, cores e tons.

 Quarto de fala! Que nome mais apropriado para um consultório de psicanálise! Um lugar tão íntimo como um quarto, onde se deita em um divã e se fala sobre o que lhe vier a cabeça. O divã é essa cama um pouco diferente, que serve para despertar e relatar sobre o quarto íntimo da história de cada um.

Sejam bem-vindas/os a este quarto de fala!