Carta aos 16

Há algumas semanas recebi uma mensagem do passado, um recado de um tempo.

A professora Rosânea Laureano Machado, que me deu aulas de Português e Literatura no Ensino Médio, me encontrou nestes vastos mundos virtuais. Disse-me que tinha consigo “uma relíquia minha”, um texto de “puro sentimento.” Por quase 16 anos, ela guardou uma redação que escrevi em 2003. Um exercício de escrita bem especial: uma carta.  

Lembro-me que na adolescência escrevia muitas cartas. Enviava-as para as amigas, mesmo convivendo com elas todos os dias na escola. Quando mudei de colégio, o pretexto de escrever ganhou impulso. Correspondia-me com as confidentes da escola anterior e da atual. Escrever era parte do meu cotidiano. Era um modo de expressão, de pensamento, de sentimento. Como hoje ainda é.

Recebo esta carta-exercício-de-aula como uma carta-exercício-de-vida. Minha caligrafia pouco mudou. Minha assinatura é quase a mesma. O tom literário carregava as palavras. Era o ar que eu respirava. E que ainda respiro.

Carta escrita como exercício de redação em 16 junho de 2003. As imagens foram gentilmente enviadas pela professora Rosânea.

O que e a quem poderia interessar uma carta redigida por uma adolescente de 16 anos como tarefa de sala de aula? O que hoje percebo depois de quase 16 anos que separam esses dois momentos de uma mesma pessoa, entre uma adolescente e uma mulher jovem ?

Que as cartas sempre chegam ao seu destino. É a finalidade das cartas. Elas são feitas para serem enviadas de algum modo e recebidas depois de algum tempo. Elas são endereçadas à leitura do próximo, à escuta do outro.

Quantas “cartas” as pessoas nos enviam com gestos,
silêncios eloquentes, frases interrompidas e não ditas? São mensagens que no momento não conseguirmos entender. Quanto tempo demoramos para recebê-las, para compreendê-las? É como se as cartas fossem lançadas no ar, ao vento. Cabe a cada um ler os sinais e tomá-los como dirigidos a si. Aí sim chegaram as cartas.

Que nossas marcas estão conosco. Elas não se apagam facilmente como uma borracha apaga um risco a lápis. Nossos traços são feitos de afetos e desejos, de amores e ódios, de dificuldades e elaborações. Continuamos a carregá-los, querendo ou não, sabendo deles ou não. Estas marcas vivem em cada um, nas nossas lembranças e nas dos outros e sobretudo naquilo que nos tornamos.