"Relatividade", de M. C. Escher.

À passos de tartaruga

Naquela manhã de dezembro eu caminhava pelo campus da Universidade Federal de Santa Catarina. Havia comprado passes de refeição para Restaurante Universitário e me dirigia ao Seminário de Pesquisa da Pós-Graduação em Literatura. No meio do caminho, porém, um chamado fez um desvio nos meus passos.

            “Olha ela ali! Ela precisa de ajuda!”

Uma mulher bradava o apelo e apontava a direção. Deparo-me com uma tartaruga. (Isso mesmo, uma tartaruga em um campo universitário!). Um animal conhecido pelos seus passos lentos e morosos e que parece carregar o peso da pré-história no seu casco. Mas esse era diferente. Corria. Nunca vi uma tartaruga andar tão rápido, pensei. (Ou será que alguma vez na vida tenha eu de fato olhado para uma tartaruga?) Ela se aproximava da entrada do Centro de Convivência. A porta do Centro, ainda que aberta, era feita de grades recolhidas nas suas extremidades. O réptil, na sua pressa, errava entre os gradis até adentrar o espaço.

            “Sim, precisamos ajudá-la”, respondi.

Ligo para o Centro de Ciências Biológicas, que me recomenda entrar em contato com o Departamento de Ecologia. Telefono para tal repartição que me informa a existência de tartarugas no lago ao lado do Centro de Convivência. Também conjectura uma possível explicação para o ocorrido. Ela pode ter se assustado com o barulho dos cortadores de grama utilizados na jardinagem do campus naquela manhã, saindo assim de seu refúgio. Pergunto se alguém pode vir recolhê-la. Ele me responde que sim, mas que poderia demorar. Então, peço instruções para levar a tartaruga até sua casa. Não havia mistério. Era só pegá-la pelas laterais, segurando no seu escudo ósseo e deixá-la bem próxima à água.

“Relatividade”, de M. C. Escher.

Enquanto fazia as ligações, formava-se um pequeno aglomero de adolescentes. Eles diziam “Tem uma tartaruga ali e a moça já tá resolvendo.” Um homem sai da Agência dos Correios, localizada no Centro de Convivência, e diante da situação conclui “É fácil, é só pegar ela pelo casco.” Sabia o que fazer, mas não ousava colocar as mãos. Nesse ínterim, a tartaruga já havia atravessado o vão de entrada do Centro chegando a sua extremidade feita de vidros transparentes. Do lado de fora estava o lago.

“Calma, vou te ajudar”, disse eu à tartaruga sem me dar conta que minha linguagem humana de nada ou pouco valeria. Pego-a nas suas laterais entre as patas traseiras e dianteiras. Ela se debate. Por pouco não levo um arranhão das suas nadadeiras agitadas. Aquela tartaruga tinha força. Pesava. Com ela em mãos, saio do vão e me dirijo ao lago. Os adolescentes batem fotos mas não acompanham o trajeto. A mulher, a do início do relato, já não estava mais ali. Naquele momento era eu e a tartaruga. Ela se acalma. Recolhe suas patas. Sua cabeça permanece erguida balançando no ritmo das minhas passadas cautelosas e apressadas.

Deixo-a próxima do lago. Segundo as instruções, a tartaruga é quem devia escolher seu caminho, se ia à água ou se continuava a perambular. Mas tão rápido quanto um piscar de olhos, ela corre para o lago. Mergulha e ressurge no meio dele, com o casco submerso e com a cabeça sobre a água pairando tranquila.

Para aqueles que gostam de interpretações e “morais da história”, tento algumas. Jamais se irrite se alguém lhe disser que você anda ou faz as coisas “à passos de tartaruga.” Não significa necessariamente lerdeza. Mas sim que na hora certa você aperta o passo e corre. Ou anda devagar porque é preciso tranquilidade e cautela. A expressão “à passos de tartaruga” já tem outro sentido, ao menos para mim. Aquele que conhece o tempo e seus ritmos e o emprega no momento oportuno.